domingo, 21 de agosto de 2011
A última viagem
Houve um tempo em que eu ganhava a vida como motorista de táxi. Os passageiros embarcavam totalmente anônimos. E, às vezes, me contavam episódios de suas vidas, suas alegrias e suas tristezas.
Encontrei pessoas que me surpreenderam. Mas, nenhuma como aquela da noite de 25 para 26 de julho do último ano em que trabalhei na praça.
Havia recebido já tarde da noite uma chamada vinda de um pequeno prédio de tijolinhos, em uma rua tranqüila do subúrbio de Belo Horizonte, capital das Minas Gerais.
Quando cheguei ouvia cachorros latindo longe. O prédio estava escuro, com exceção de uma única lâmpada acesa numa janela do térreo.
Nestas circunstâncias, outros teriam buzinado duas ou três vezes, esperariam só um pouco e, então, iriam embora. Mas, eu sabia que muitas pessoas dependiam de táxis como único meio de transporte a tal hora.
A não ser, portanto, que a situação fosse claramente perigosa, eu sempre esperava.
"Este passageiro pode ser alguém que necessita de ajuda", pensei.
Assim, fui até a porta e bati.
- Um minutinho, respondeu uma voz débil e idosa.
Ouvi alguma coisa ser arrastada pelo chão...
Depois de uma pausa longa, a porta abriu-se. Vi-me então diante de uma senhora bem idosa, pequenina e de frágil aparência.
Usava um vestido estampado e um chapéu bizarro daqueles usados pelas senhoras idosas nos filmes da década de 40! E se equilibrava numa bengala, enquanto segurava com dificuldade uma pequena mala.
Dava para ver que a mobília estava toda coberta com lençóis. Não haviam relógios, roupas ou adornos sobre os móveis. Num canto jazia uma caixa aberta com fotografias e vidros.
A velha senhora, esboçando então um tímido sorriso de quem havia já perdido todos os dentes, pediu-me:
- O senhor poderia me ajudar com a mala?
Eu peguei a mala e ajudei-a caminhar lentamente até o carro. E enquanto se acomodava ela ficou me agradecendo.
- Não é nada, apenas procuro tratar meus passageiros do jeito que gostaria que tratassem minha velha mãe”.
- Oh!, você é um bom rapaz!
Quando embarcamos, deu-me um endereço e pediu:
- O senhor poderia ir pelo centro da cidade?
- Este não é o trajeto mais curto, alertei-a prontamente.
- Eu não me importo. Não estou com pressa. Meu destino é o último, o asilo dos velhos.
Surpreso, eu olhei pelo retrovisor.
Os olhos da velhinha brilhavam marejados.
- Eu não tenho mais família e o médico me disse que tenho muito pouco tempo.
Disfarçadamente desliguei o taxímetro e perguntei:
- Qual o caminho que a senhora deseja que eu tome?
Nas horas seguintes nós dirigimos por toda a cidade. Ela mostrou-me o edifício na Praça 7 em que havia, em certa ocasião, trabalhado como ascensorista.
Nós passamos pelas cercanias em que ela e o esposo tinham vivido como recém-casados. E também pela Igrejinha de São Francisco, na Pampulha, onde comemoraram Bodas de Ouro.
Ela pediu-me que passasse em frente a uma loja de móveis na região da Praça da Liberdade, que havia sido um grande salão de dança que ela freqüentara quando mocinha.
De vez em quando, pedia-me para dirigir vagarosamente em frente a um edifício ou esquina. Era quando ficava então com os olhos fixos na escuridão, sem dizer nada. E olhava, olhava e suspirava...
E assim rodamos a noite inteira.
Quando o primeiro raio de sol surgiu no horizonte, ela disse de repente:
- Estou cansada e pronta. Vamos agora!
Seguimos, então, em silêncio, para o endereço que ela havia me dado. Chegamos a um prédio rodeado de árvores, uma pequena casa de repouso.
Dois atendentes caminharam até o taxi, assim que paramos. Eram amáveis e atentos e logo se acercaram da velha senhora, a quem pareciam esperar.
Eu abri o porta-malas do carro e levei a pequena valise até a porta. A senhora, já sentada em uma cadeira de rodas, perguntou-me então pelo custo da corrida.
- Quanto lhe devo?, ela perguntou, pegando a bolsa.
- Nada!, eu disse.
- Você tem que ganhar a vida, meu jovem.
- Há outros passageiros", respondi.
Quase sem pensar, curvei-me e dei-lhe um abraço. Ela me envolveu comovidamente e devolveu-me com um beijo afetuoso e repleto da mais pura e genuína gratidão e disse:
- Você deu a esta velhinha bons momentos de alegria, como não tinha há tanto tempo. Só Deus é quem sabe o quanto você fez por mim. Obrigada, meu amigo! Mil vezes obrigada.”
Apertei sua mão pela última vez e caminhei no lusco-fusco da alvorada sem olhar para trás, pois as lágrimas corriam-me abundantes pela face.
Atrás de mim uma porta foi fechada. Era o som do término de uma vida... Naquele dia não peguei mais passageiros. Dirigi sem rumo, perdido nos meus pensamentos. Mal podia falar.
Dois dias depois, tomei coragem e voltei no asilo para ver como estava a minha mais nova amiga. Me disseram, então, que na noite anterior adormecera para sempre, em paz e feliz.
E fiquei a pensar, se a velhinha tivesse pego um motorista mal-educado e raivoso... Ou, então, algum que estivesse ansioso para terminar seu turno.
Óh, Deus! E se eu houvesse recusado a corrida? Ou tivesse buzinado uma vez e ido embora?
Ao relembrar, creio que eu jamais tenha feito algo mais importante na minha vida até então.
Em geral nos condicionamos a pensar que nossas vidas giram em torno de grandes momentos.
Todavia, os grandes momentos freqüentemente nos pegam desprevenidos e ficam guardados em recantos que quase todo mundo considera sem importância, quando nos damos conta, já passou.
As pessoas podem não lembrar exatamente o que você fez, ou o que você disse.
Mas, elas sempre lembrarão como você as fez sentir-se.
Portanto, você pode fazer a diferença.
Pense bem nisso.
Os idosos de hoje, somos nós amanhã.
Autoria: Don Rico
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Desde ja agradeço pelos comentarios.
Obrigada e volte sempre!